domingo, 27 de novembro de 2011

Poema Asteca


"O sábio chinês Chuang-Tzu sonhou que era uma borboleta e , ao acordar, se perguntou se até então fora um homem sonhando, ou se poderia ser naquele momento uma borboleta sonhando que era um homem. Que vimos para esta terra para viver é uma inverdade: nós vimos apenas para dormir, para sonhar".

terça-feira, 15 de novembro de 2011

CRÔNICA: Mãos cegas



Lançado na sarjeta, sua vida agora estava na corda bamba e não possuía nada para o proteger dos perigos da noite, olhou ao longe e tudo que podia ver eram sombras de pessoas caminhando apressadamente, a chuva caía desde o fim da tarde e agora de madrugada já não conseguia aguentar o frio que se espalhava por seu corpo, suas mãos gélidas e a dormência dos dedos dos pés eram tudo o que continuava a sentir.


Jogado na margem da sociedade, sem ninguém para dizer boa noite e não ser seus pensamentos e lembranças, estas eram tudo o que haviam restado. Seu passado de glorias agora se ressumiam em lamentos das desventuras da vida e o seu contentamento das migalhas caídas em seu chapéu ou das poucas moedas jogadas por mãos cegas, mas essas moedas ao final do dia até que davam para alimentá-lo, quem sabe uma boa sobremesa, o nome lhe parecia tão inapropriado agora, sobrechão quem sabe se aproximasse um pouco.


A chuva começou a ficar mais forte, então a lona que sustentava sua casa acabou cedendo e caindo em cima dele, sua miséria agora era exposta para todos os transeuntes, entretanto percebeu que não se importavam com a sua situação, sua única saída agora era correr pelas ruas atras de algum papelão ou caixa de isopor que pudesse cobrir o buraco aberto pela água.


Enquanto procurava algo não percebeu que a correnteza começava lentamente a aumentar, o que era uma pequeno corego, agora tornara-se a corredeira de um rio selvagem, sua casa frágil e humilde já não existia mais, seu mundo literalmente havia sumido debaixo d'água, com o aumento do nível da água, tentou gritar por socorro mais ninguém o escutava, cansou de lutar contra a força da correnteza e finalmente se entregou. Sumiu nas águas, encontrando seu fim de forma tao trágica.


No outro dia, as pessoas da região que diariamente passavam pelo local sentiram falta de uma certa pessoa sentada na sarjeta com as mãos estendidas a pedir esmolas, porém ninguém sabia ao certo o que tinha acontecido com ele, e quando perguntados se saberiam identificar o sujeito se o encontrassem, apenas diziam: não temos tempo para olhar para os olhos ou face desse tipo de gente, apenas estendíamos nossas mãos e jogávamos alguma esmola e nada mais.


No fundo alguns até sentiam-se aliviados, enfim aquela pobre alma havia encontrado descanso, elas já tinham feito tudo para ajudar e como todo bom filho de Deus esperavam que aquela esmola diária pudesse aliviar suas consciências e fazê-los um pouco mais humanos, de qualquer forma a morte do mendigo trouxe para a comunidade um clima de paz e sossego.


Quando perguntavam se alguém já tinha feito alguma coisa para tirá-lo das ruas, logo respondiam: esse mendigo era um vadio, não queria nada com a vida, só vivia na bebida, encontrou o seu destino na sarjeta.


Semanas depois, seu corpo foi encontrado e juntamente a ele estavam alguns objetos pessoais, em um deles constava escrito a seguinte frase: “ANTES DE SUA ESMOLA QUERO TER O DIREITO DE COMPARTILHAR DE SUA HUMANIDADE”.


Uma equipe jornalistica ouviu falar na frase deixada pelo morador de rua e resolveu investigar sua vida, descobriu que ele era uma pessoa muito importante na cidade mas que devido a uma serie de desastres acabou indo parar nas ruas, tinha sido um grande escritor e até já tinha ganhado um grande premio literário nacional.


Entre seus pertences acharam também uma serie de escritos feitos no período em que estava na rua, o mesmo relatava a crueldade com que as pessoas se referiam a ele, como as animais de estimação pareciam ter mais valor do que sua vida, da menininha de que correu assustada ao vê-lo e sua mãe disse que ele era um marginal, do senhor engravatado que jogava a esmola e não tinha coragem de lhe olhar nos olhos, e de tantas outras pessoas que embora aparentemente tão civilizadas, mostravam-se tão desumanas e sem amor ao próximo.


Seus relatos foram transformados em um livro autobiográfico falando sobre a vida dos moradores de rua, suas relações na sociedade contemporânea na visão de uma dos maiores escritores que aquele país já tivera, e que o próprio viveu enquanto morador de rua durante os últimos anos de sua vida.


As vendas foram um sucesso gigantesco, pessoas não conseguiam terminar de ler o livro devido as crises de choro, sofriam junto com ele, sentiam a dor e o frio como se fossem eles próprios os desabrigados, humilhados, desprezados, vitimizados.


Para o mundo foi uma intensa e poderosa leitura, que mudou a vida de milhares de pessoas, porem para aqueles que diariamente deixavam suas esmolas para ele foi a pior coisa que já tinha acontecido em suas vidas, seus sentimentos de conforto e tranquilidade se converteram em vergonha e tristeza, agora dormiam achando que eram parte de uma sociedade hipócrita e discriminadora, que fingiam fazer o bem ao próximo apenas esperando conseguir a aprovação de terceiros ou para bancar o bom samaritano, perceberam ser muito tarde para mudar o que tinha sido feito, mais esperavam que um dia pudessem viver em uma sociedade diferente, mais igualitária.


Utopia ou não, as palavras do mendigo foram semeadas e o mundo agora poderia tentar refletir sobre suas ações. Querer ser humano em um mundo que estava cada dia mais desumano ainda era um desafio diário para os seus semelhantes, os discriminados pela sociedade, aqueles dos quais sua única visão para a sociedade era muitas vezes a de uma mão estendida a receber de mãos cegas uma esmola como que pagando pelo seu silencio,dessa maneira comprando sua humanidade.